Câmara decide que prescrição dos crimes de corrupção cometidos por políticos só conta a partir do momento em que o acusado sai do cargo público

Sempre, mas sempre mesmo, se pode contar com os deputados e senadores brasileiros, sobretudo aqueles que estão nos galhos mais altos da árvore de Brasília, quando se trata de fazer alguma indecência diretamente em seu favor e diretamente contra os interesses do público. Todos deveriam estar, o tempo todo, a serviço da população que os elegeu e paga seus salários, benefícios e privilégios. Na prática, acontece exatamente o contrário: a atividade parlamentar no Brasil se reduziu, hoje, a um serviço de despachante para produzir e entregar facilidades aos membros do Congresso — ou sócios, melhor dizendo

A trapaça, esta vez, resolve a vida de ninguém menos que o presidente da Câmara e o próprio relator no Senado da medida adotada — justamente os que deveriam ser mais isentos no assunto. (Entrou na festa, também, o líder do governo na Câmara.) O que fizeram foi um favor grosseiro e direto a si próprios: decidiram que a prescrição dos crimes de corrupção cometidos pela politicada passa a ser contada a partir da data em que o delito foi denunciado — e não mais, como é hoje, a partir do momento em que o acusado sai do cargo público. Até uma criança de dez anos de idade seria capaz de fazer as contas e concluir que o prazo, na vida real, ficou muito mais curto — quer dizer, o sujeito mete a mão, espera um pouco e logo sai do caso livre e solto; basta ir se segurando na cadeira enquanto o tempo passa. Seu crime “prescreve”. Fim de conversa.

O cidadão comum é tratado pela lei exatamente de modo contrário: se é acusado de alguma coisa, a prescrição demora a vida inteira para chegar. Mas as castas que mandam na política brasileira vivem num outro mundo, que elas próprias criam o tempo todo para seu proveito pessoal. No caso, ainda por cima, fizeram uma trapaça dentro da trapaça. Ao alterar a Lei da Improbidade Administrativa, fingiram que estavam aumentando o prazo de prescrição atual, de cinco para oito anos. Só que esse prazo, agora, começa a valer lá atrás, o mais longe possível; obviamente, vai acabar antes. A quem imaginam que estão enganando?

Como se sabe desde a Arca de Noé, não existe nada mais difícil do que fazer uma acusação de roubalheira ir para frente neste país enquanto o acusado ocupa um cargo público; ele se vale dos privilégios legais ou ilegais que tem, mais a colaboração fiel dos colegas, para dificultar ao máximo qualquer investigação. Vai empurrando com a barriga — e, com o novo ajutório, conseguirá a sua prescrição muito antes do momento em que deixar o cargo. Investigação contra político, quando anda, só anda depois que ele para de ser deputado ou senador. Agora não vai andar, porque o crime deverá estar prescrito quando o cidadão sair da cadeira que ocupa. Basta segurar a onda por oito anos.

Já era difícil, com as regras que estão aí, punir um político brasileiro como ladrão. Agora ficou mais difícil ainda.

 

(J. R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 7 de outubro de 2021)

 

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