MP da reoneração da folha representa risco à articulação do governo, avaliam congressistas e especialistas

A medida foi editada mesmo após a desoneração ter sido aprovada e o veto de Lula, derrubado por ampla maioria

A medida provisória (MP) que reonera a folha de pagamento, contrariando uma decisão recente do Congresso, tem potencial de dificultar as negociações entre o Executivo e o Legislativo, avaliam parlamentares e especialistas. O texto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que entra em vigor em abril de 2024, é um movimento na direção de aumentar a arrecadação da União e alcançar a meta do déficit zero. No entanto, sofre uma forte resistência dos congressistas, que já se organizam para derrubar a matéria ou até mesmo fazer com que ela seja devolvida ao Planalto, sem nem sequer ter a tramitação iniciada.

O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), lidera um movimento que pede ao presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a devolução da MP. A alegação é que os parlamentares já decidiram a questão por meio do projeto de lei que prorroga a desoneração dos 17 setores que mais empregam e derrubaram o veto presidencial que barrava a matéria.

Pacheco disse nesta sexta-feira (29) que há a necessidade da análise técnica sobre os aspectos de constitucionalidade e afirmou que é preciso considerar a reação política à MP. “Há também um contexto de reação política à sua edição que deve ser considerado, de modo que também será importante reunir os líderes das duas Casas para ouvi-los, o que pretendo fazer nos primeiros dias de janeiro.”

Segundo Passarinho, a resposta de Lula e da equipe econômica via MP tem um potencial de desgaste do governo no Congresso. “Uma MP não deve ser feita para passar por cima da lei, contrariando toda a decisão majoritária do Parlamento. É desgastoso e desrespeitoso”, afirmou o deputado ao R7. “Todos os atos impensados acabam criando mais dificuldade, o que fica mais caro para o governo.”

O presidente nacional do Republicanos e vice-presidente da Câmara dos Deputados, o deputado federal Marcos Pereira, criticou a manobra do governo federal. “Não é adequado que o Executivo edite medida provisória logo após o Legislativo decidir amplamente sobre o tema, isto é, logo após a lei ter sido aprovada e o veto derrubado. Parece que se quer fazer queda de braço, e, neste tema, seguramente, a opinião do Legislativo deverá prevalecer”, ressaltou.

A resposta do Parlamento, segundo o presidente da Frente de Comércio e Serviços, o deputado Domingos Sávio (PL-MG), simboliza mais do que, mais uma vez, ir contra o posicionamento do Planalto quanto a esse assunto. “A máscara de governo democrático está caindo. Teve o ano inteiro para dialogar e propor alguma coisa, enquanto o Congresso votava a matéria. Não apresentou nenhuma proposta e, ao ser derrotado democraticamente, resolve de forma autocrática revogar lei aprovada por ampla maioria. O Congresso precisa derrotar essa medida provisória ou estará admitindo a sua inutilidade e será o fim da democracia.”

Quem também criticou o movimento do governo foi o relator do projeto da desoneração no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA). Para ele, isso significa uma “quebra da harmonia entre os Poderes Legislativo e Executivo”. “Queremos manter a harmonia como foi nesse primeiro ano de governo Lula. Mas, pelo que vejo, alguns membros do governo talvez não queiram essa harmonia.” Além de Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também assinou a medida.

Na avaliação da deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS), relatora da medida na Câmara dos Deputados, o governo foi “omisso” ao editar a MP, o que estremece a relação de negociação entre os Poderes. “O ministro [Fernando Haddad] vinha falando em apresentar uma proposta, que iria conversar com os setores, mas em momento algum fez isso. Às vésperas do final do ano, apresenta a MP, que causa grande instabilidade no processo. Estamos há mais de dez meses fazendo a discussão, nas duas Casas, e em momento algum o governo nos procurou para discutir uma solução alternativa”, disse a parlamentar ao R7.

O autor do texto no Senado, Efraim Filho (União Brasil-PB), disse ser “clara a intenção do governo em tentar impor uma agenda, via MP, que ele não conseguiu sustentar em plenário, principalmente na votação da derrubada do veto”. Ao R7, o senador defendeu que, caso não haja a devolução da medida, a articulação é para priorizar a derrubada da MP já na volta do recesso parlamentar.

Pacheco deixará a análise sobre se devolve ou não a MP para janeiro, após assessoramento da consultoria legislativa do Senado e reunião de líderes. “Para além da estranheza sobre a desconstituição da decisão recente do Congresso Nacional sobre o tema, há a necessidade da análise técnica sobre os aspectos de constitucionalidade da MP”, sinalizou.

Caso a decisão seja de receber a MP, o Congresso tem 120 dias para analisar a nova norma; se a votação não for concluída, o texto perde a validade. Como o Congresso está de recesso, o prazo só deve começar a contar em fevereiro, com o início do novo ano legislativo.

A reportagem apurou que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não gostou do gesto feito pelo governo, por duas razões: a primeira é que o Congresso Nacional acabou de derrubar os vetos assinados por Lula à lei que prorrogou a desoneração da folha; e, segundo, porque a proposta foi enviada via medida provisória, e não por projeto de lei. Segundo Lira, “legislativamente, o problema está resolvido”, o que sinaliza a tendência em manter a análise anterior feita pelo Congresso.

Embate

A edição da MP tem potencial de acirrar os ânimos entre o Legislativo e Executivo. Especialista em temas tributários e relações governamentais, o advogado Asafe Silva Gonçalves observa que a atual base do governo no Congresso “é restrita e fragmentada”, mesmo diante de conquistas importantes para compor a pauta econômica programada para 2023. Para ele, a MP, ao impor a vontade do Planalto, “não só intensifica esse conflito como também promove uma judicialização das questões”.

“Isso mantém um clima de insegurança jurídica para a população e perpetua a tensão entre os três Poderes, com possíveis intervenções do STF agindo como um intermediário constitucional. As consequências dessas movimentações no Congresso e a possível repercussão nas pautas prioritárias para o governo serão cruciais para definir a imagem e a eficácia do governo no próximo ano”, afirmou Gonçalves.

Na avaliação do cientista político André César, no entanto, o governo tem consciência do risco que assume ao divergir do Congresso. “O instituto da MP é um movimento, por si só, agressivo. Parece que o governo quer tratorar, passar por cima da discussão, já que a medida tem força de lei. Mostra que, depois de um ano com aprovações importantes, o governo quer testar o limite da base. É um risco, mas se trata de um jogo bem jogado do ponto de vista do plano político.”

O que diz a MP

A desoneração beneficia os 17 setores que mais empregam, responsáveis por 9 milhões de empregos. Em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia, conforme o setor, de 1% a 4,5%.

Com a nova medida, agora, o imposto volta a incidir sobre a folha de pagamento, mas de forma parcial. O texto determina que o tributo será aplicado apenas sobre o salário mínimo. A remuneração que ultrapassar o salário mínimo vai pagar normalmente.

Lula editou uma medida provisória que contém várias propostas para aumentar a arrecadação da União e alcançar a meta do déficit zero. O texto, que também é assinado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi publicado nesta sexta-feira (29) no Diário Oficial da União (D.O.U.).

Confira o escalonamento feito pelo governo, em dois grupos, da reoneração da folha:

• o primeiro grupo engloba atividades como transporte, comunicação e tecnologia da informação, cuja tributação vai funcionar da seguinte forma: 10% em 2024, 12,5% em 2025, 15% em 2026 e 17,5% em 2027;

• o segundo grupo inclui atividades como engenharia civil, indústria têxtil e editorial, cuja tributação vai funcionar da seguinte forma: 15% em 2024, 16,25% em 2025, 17,5% em 2026 e 18,75% em 2027.

Questionado sobre as negociações em torno da medida provisória, Haddad respondeu, na entrevista em que anunciou a edição da MP, que “tudo vai depender de conversa”. “As pessoas vão lá fazer pressão setorial, nós vamos explicar. Quem vai ganhar o debate eu não sei. O que eu tenho observado é muita sensibilidade aos argumentos que estão sendo apresentados pela Fazenda. Eu sou muito grato até aqui pela maneira como o Congresso está tratando os assuntos da Fazenda. Não tenho queixa”, disse.

Fonte: Bruna Lima, do R7, em Brasília


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