10 anos depois, a realidade das famílias atingidas pelo rompimento de Algodões

Foram 24 mortes ao todo, entre as mortes imediatas e aquelas que ocorreram depois, de doenças decorrentes da tragédia

Cocal da Estação, 289 quilômetros ao norte de Teresina, foi cenário do maior desastre natural da história do Piauí quando, em 27 de maio de 2009, a parede da barragem de Algodões II rompeu, despejando cerca de 52 milhões de metros cúbicos de água no leito do rio Pirangi, no povoado Franco. A correnteza que se formou arrastou casas e animais e destruiu tudo o que encontrou pela frente, deixando milhares de pessoas desabrigadas nas zonas rural de Cocal e Buriti dos Lopes.

Nove pessoas morreram na hora e uma foi dada como desaparecida, cujo corpo foi encontrado dias depois. Foram 24 mortes ao todo, entre as mortes imediatas e aquelas que ocorreram depois, de doenças decorrentes da tragédia. Pouco mais de 10 anos depois da tragédia, o cenário de devastação ainda é visível, e a vida das pessoas atingidas mudou definitivamente.

O rompimento da barragem de Algodões trouxe perdas materiais e traumas psicológicos para toda a região. O presidente da Avaba (Associação das Vítimas e Amigos das Vítimas da Catástrofe pelo Rompimento da Barragem de Algodões), Corcino Medeiros dos Santos, diz que não há como recuperar ou compensar os traumas psicológicos e as vidas perdidas, mas a criação da entidade, logo após a tragédia, e a luta que ela abraçou permitiram que ao menos as perdas materiais fossem recuperadas por meio de indenização.

Em 2014, o desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, do Tribunal de Justiça do Piauí, determinou ao Governo do Estado pagar cerca de R$ 100 milhões às 867 famílias de Cocal e de Buriti dos Lopes atingidas pela tragédia. A decisão saiu depois de uma intensa luta da Avaba, com apoio de pessoas como o deputado estadual Marden Menezes (PSDB), que por diversas vezes denunciou a insensibilidade do poder público com relação às vítimas da tragédia.

Para agilizar o pagamento, as famílias e o Governo do Estado fecharam um acordo, intermediado pelo Tribunal de Justiça, fixando a indenização em R$ 60 milhões, a serem pagos em 30 parcelas de R$ 2 milhões. Cada família recebeu um valor diferenciado, de acordo com a estimativa de perdas.

O advogado Antonio Carlos Galli explica que o acordo foi necessário para impedir que os recursos virassem precatórios, o que demoraria anos para serem efetivamente pagos. “Foi uma grande luta até chegarmos à decisão do Tribunal de Justiça, mas era capaz de os atingidos nem receberem a indenização, porque ia demorar 50 anos. E é preciso dizer que, com o acordo feito, nenhuma família recebeu menos do que o valor acordado. Algumas famílias receberam até mais”, informa ele.

Corcino Medeiros, presidente da Avaba: luta em defesa das vítimas

Antes do acordo para pagamento das indenizações, de 2011 até 2017 as famílias receberam uma pensão alimentícia que variava de acordo com a quantidade de integrantes. Em abril de 2017, as indenizações começaram a ser pagas. As 30 parcelas se encerrariam em setembro de 2019. Mas, devido ao atraso no pagamento, restam duas parcelas para serem pagas.

Com indenizações, famílias adotam novo estilo de vida

Antes do rompimento a grande maioria das famílias tinham um modelo de vida rural, baseado no plantio de horticultura e agricultura de subsistência e na criação de animais para venda e consumo próprio, com exceção de poucos produtores de médio porte e donos de bares e restaurantes que ficavam às margens da barragem.

Hoje a maioria das famílias vive em agrovilas construídas pelo governo, e outra parte está na zona urbana. Na agrovila Jacaré residem mais de 100 famílias. Em 2010, diante da demora para entrega das casas, moradores invadiram os imóveis e fizeram eles mesmos o acabamento das construções. Em seguida, a Avaba conseguiu R$ 5 mil junto à SASC (Secretaria Estadual de Ação Social e Cidadania), para cada família comprar móveis.

Wladimir Machado, conhecido como seu Coraci, reside no povoado. Casado e pai de dois filhos, ele explica que perdeu a casa onde vivia com a família, criação de porco e de peixe e uma área irrigada onde cultivava hortaliças e frutas. Tinha ainda um balneário que era movimentado pelo turismo em torno da barragem. Hoje, Wladimir diz que a pensão de alimentos e a indenização foram a injeção de ânimo para acreditar que dá para viver bem, mesmo após a tragédia.

“Quem viveu aquilo nunca vai esquecer. Mas naquela hora a ideia de criar a Avaba foi uma coisa para a gente se apegar e para manter a esperança. Com a pensão de alimentos já deu para ter mais fé, e a indenização a gente sempre soube que era uma coisa com tempo para acabar”, conta. Ele disse que já retomou uma pequena área de plantação, voltou a criar peixes e também investiu parte do dinheiro da indenização em imóveis em Cocal. “Também tenho aqui minha casa, onde voltei a ter um local para as pessoas se divertirem”, explica.

Wladimir Machado – indenização foi injeção de ânimo nas famílias

Investimentos em imóveis e comércio

Dona Isabel de Brito também perdeu tudo o que tinha no rompimento da Barragem de Algodões. Atualmente, vive com um filho na zona urbana de Cocal e as indenizações contribuíram para que ela ajudasse o filho a investir num buffet da cidade. “Para quem colocou a cabeça no lugar, (a indenização) foi muito importante. É uma vida diferente. Lá a gente tinha tudo, mas infelizmente a água levou tudo, não dá pra saber nem o lugar da casa. Mas pelo menos empregamos o dinheiro e ajudo meu filho a investir em algo pensando no futuro”, explica.

Investir o dinheiro das indenizações na área do comércio também foi a ideia do casal Adriana Maria Machado e Elinaldo Nascimento. Os dois viviam como pequenos agricultores, criando animais e fazendo roça. Após a tragédia, Elinaldo decidiu viajar para São Paulo, onde trabalhou na construção civil. O dinheiro da indenização foi investido numa churrascaria. “Hoje, graças a Deus estamos vivendo bem. E como a movimentação do dinheiro aumentou na cidade, com certeza isso também contribui para as nossas vendas, já que nosso público é o daqui mesmo”, comemora dona Adriana.

Investimentos em novos negócios na cidade

Grande parte das famílias retomou a criação de animais como galinhas e porcos para consumo próprio e venda. Nas agrovilas, a Prefeitura de Cocal construiu calçamentos, sistemas de abastecimento de água, escolas e ginásios de esporte. O prefeito Rubens Vieira afirma que toda a estrutura das agrovilas foi realizada pelo Município, porque, segundo ele, os órgãos estaduais não deram o devido acompanhamento às famílias.

O prefeito alerta que, com o fim das indenizações, a economia de Cocal e Buriti dos Lopes ficará desabastecida porque hoje certamente gera um impacto positivo no mercado local. Outra vítima que avalia como compensatória a política de indenizações é o agricultor Antônio Honório. Ele perdeu três casas, uma propriedade rural em que criava e plantava.

Mas conseguiu retomar as atividades com as indenizações e outras fontes de renda. “O trauma obviamente ninguém esquece. Mas a parte financeira essa eu e minha família conseguimos recuperar, com as indenizações, empréstimos do Banco do Nordeste com financiamento subsidiado, e muito trabalho”, diz ele, que conta que o dinheiro das indenizações deu para comprar até um carro.

O pensamento de seu Wladimir, Antônio Honório, dona Adriana e Elinaldo é compartilhado por outras pessoas, como dona Marilene Carvalho, Verônica Barreto e Toinho Enfermeiro, que também vivenciaram a tragédia. Todos eles explicam que o trauma psicológico é inesquecível, mas as indenizações serviram para gerar esperança, crer em dias melhores e melhorar a qualidade de vida da maior parte das pessoas.

Na zona rural de Buriti dos Lopes, a agricultora Maria Verinalria foi uma das responsáveis por incluir mais de 300 famílias da região, afetadas pela tragédia, na Avaba. Moradora do Espírito Santo de Cima, ela afirma que a inclusão foi essencial para ampliar a força na hora de reivindicar e comemora os resultados da luta.

“Após muita luta, hoje ampliamos a casa recebida pelo governo na agrovila, temos um carrinho que já ajuda a resolver as coisas que a gente tem pra resolver, uma moto, de forma que com o planejamento foi possível retomar nossa vida. Agora, com o fim das indenizações é seguir com fé”, pontua ela.

Nem todos fizeram bom uso do dinheiro 

Nem todas vítimas do rompimento da Barragem de Algodões, porém, conseguiu aproveitar bem o dinheiro das indenizações. Com o dinheiro chegando ao fim, há entre as vítimas pessoas que gastaram o dinheiro e reclamam do parcelamento, ou que o dinheiro não alcançou os valores que entendiam ser compatíveis c   om o que perderam.

José Ferreira, conhecido em Cocal como o “último playboy”, reclama que a indenização foi boa para quem não tinha nada. Na época da tragédia, ele tinha uma churrascaria e balneário no povoado Franco, onde organizava shows e eventos de lazer. Após receber quase todo o dinheiro da indenização, já que falta apenas duas parcelas, não retomou investimentos na área de churrascaria e lazer, e nem reconstruiu o imóvel.

José Ferreira: sem perspectivas para o futuro

Diz que o parcelamento dos valores inviabilizou a realização de investimentos. A reportagem encontrou José Ferreira em um bar em Cocal, na principal praça da cidade, na noite do sábado 7 de novembro. Sem ocupação, ele diz que passa o tempo dividido entre a zona urbana e a zona rural do município. Quanto ao período após o fim das indenizações, afirma que o futuro tá entregue a Deus.

 “A gente que não tem emprego, teve que sobreviver das parcelas. Quando o governo pagava uma você já tinha gastado a outra, porque tinha que comer e ir passando. Teve gente que melhorou de vida porque não tinha nada, e aí ganharam alguma coisa, foi lucro. Mas eu que tinha um balneário muito conhecido, não consegui me refazer”, reclama.

Fonte: Portal O Dia

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